domingo, 21 de dezembro de 2014

Fique de vez em quando só, senão será submergido. Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa.
Clarice Lispector

A noite caiu já, o breu abraça implacável a cidade, indiferente ao amarelo incómodo que a iluminação pública atira para as ruas. Ainda assim embrenhada de negro, a cidade seduz e desperta-me todos os sentidos, apetece-me fotografar-lhe cada aresta, os becos sem saída, as artérias que descem das colinas para o Tejo. 
Em parando para pensar nisso, não sei de imediato o que mais me apetece: se fotografar a cidade, se fotografar-te a ti. Suspendo vagaroso o tempo e analiso-te enquanto finjo fotografar-te. No frenesim que nos compassa os movimentos, não fixei as linhas que te delimitam, então guardo a tua imagem para não esquecer nunca todos os retratos que o teu rosto encerra. Pudesse apenas fotografar-te agora, de verdade, neste momento, tão apetecível que ficas. Cada expressão que me devolves sabe-me a um frame que se quer ser captado, tamanha que é a provocação espelhada nas danças que ensaias. O melhor beijo que te dei, é aquele que ainda não te dei, aquele que insinuo suspendendo a minha boca sobre a tua, sem nunca chegar realmente a deixar os meus lábios aquietarem os teus. O teu hálito quente faz-me estremecer, ferves e eu fervi-lho na evidência da temperatura denunciada pelo teu corpo. Deslizando os dedos por ti fora, perco-me nos labirintos que te desenham e te tornam único. As cores vivas captam-me o olhar, mas não por muito tempo. Seguro de ti, queres em convencer que sabes de tudo, que de emoções estás cansado, que os meus trilhos são-te familiares, apesar da inóspita vénia que te curvo em te venerando. Tu não sabes é nada, quando podias saber tanto. E ao mesmo tempo sabes tanto, e deixas-me confusa quanto ao tanto que realmente sei. Ou será que não sei?...

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