terça-feira, 14 de outubro de 2014



Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco de consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares

Deus não se apieda de quem muito ama, de quem ama mais do que pode, de quem dentro tem tanto amor que sente as veias implodirem de não conterem tamanha violência de sentimentos. Pois que toda a vida te tenho vindo a chorar, e que todas as horas te tenho vindo a sofrer, e por todo o tempo te tenho vindo a cantar, e com todas as palavras te tenho vindo a (d)escrever. E em te achando te perco outra vez, para a mim me achar outra vez embriaga do amor que tenho para te dar. Todo, imenso, gota por gota, beijo por beijo, toque por toque. Repito-te, repito-me, vezes sem conta, as vezes que forem precisas para antes desta vida e depois da próxima, me voltares a encontrar, homem ou mulher, e me voltares a deixar amar-te. Triste fado, o dos que amam de mais e de quem Deus não se apieda. Que um coração partido é bom, é sinal de se ter tentado. Eu nunca tentei. Amei apenas, e de apenas amar desamada fiquei, enrodilhada nos meandros vis do sentir, do querer, do olhar sem pestanejar e sem querer um ar que encha os pulmões. Porque no amar não se respira, o corpo tolhe-se das necessidades vitais para se entregar à primeira, última e única necessidade vital, e sem a qual ele não se sustentaria de pé - a de amar. E amando tola, vou-te continuar a amar, e a chorar-te, e a sofrer-te, a cantar-te e a (d)escrever-te, as vezes que forem precisas para que ainda antes desta vida e depois da próxima, me voltes a deixar encontra-te.

Sem comentários:

Enviar um comentário