A evolução requer que se reúna o
batalhão dos sentidos. A construção de novas memórias olfactivas, o
desconstruir dos pontos de vista, a reorganização interna dos sons, a procura
de paladares desconhecidos, a sensibilidade à flor da pele estimulada por novas
sensações. Não é fácil arrancar o rosto mais familiar de todos da cidade que
nos é também a mais querida. Menos fácil ainda é arrancá-lo à linha de
horizonte que desenha o mar, porque o mar é igual onde quer vá, é arrancá-lo às
nuvens que se desenham no céu, porque invariavelmente o céu e as nuvens são
iguais de onde quer que os veja, é arrancá-lo a todos os sítios onde insiste em
sobreviver estampado, vívido, incómodo. Embora não deixe de ser um rosto difuso
e cada vez mais esbatido pelas falhas da memória, é essa mesma memória que
traiçoeira mantem vivas as ausências que mais doem, renovando-as onde já não
fazem falta nem são desejadas, mas mantendo-as vivas. Continuo à procura de
sítios onde não substituam moléculas nem poeira cósmica deixadas pela tua
passagem. São poucos, alguns já os conheço e outros hei-de descobri-los. Até os
ter todos para mim, vou contornando um vulto teu que volta e meia se me assoma,
para me lembrar das palavras do poema, que
o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura.
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