segunda-feira, 10 de março de 2014

Quem aMa Clara (com um considerável atraso de vários dias)

E lembro-me de ficar pendurada nas fotos dela, tentando adivinhar o que por aí vinha. Quem era essa total desconhecida de imagens com cores intrigantes, ar maduro e olhar pitoresco de menina curiosa. Numa foto aparecia na praia de flor na cabeça, e isso só podia ser um bom sinal, pensei. Tinha fotos de chuvas e de fumos, e tinha fotos de óculos amarelos atrevidos na ponta do nariz. E lembro-me de pesquisar o significado das palavras estranhas que trazia bordadas nas costas. 
Com o tempo percebi que a raridade é o dom de ser de algumas pessoas que pisam o chão deste mundo. E cruzar caminho com esta menina do Piauí é sinónimo de amor sendo deixado de leve e de rajada no vinco da nossa vida, porque quanto se intercepta um espírito assim, o instinto é ficar. O instinto é procurar, é amar, é dar e é querer ser melhor. E podia dizer que a partir de hoje nada muda. Que o oceano que a partir de hoje nos vai separar não vai minar os laços que criámos, que as tecnologias nos vão manter próximas, que não vou sentir a tua falta. Mas estaria a mentir, com quantos dentes tenho na boca.


Porque a partir de hoje tudo muda.
Porque nunca mais vou tomar um banho sem levar atrás o meu telemóvel com a repetitiva playlist que lá tenho dentro, coisa que aprendi contigo (a ouvir música no banho, não a ser repetitiva).
Porque vai ser difícil continuar a confeccionar pratos no forno sem lhes pôr batatas de palha em cima, ou a comer pratos com molhos, sem novamente os adornar com as malfadadas batatas que só engordam, outra das muitas coisas que aprendi contigo.
Porque tornaste o nossa economia familiar partilhada fiel subscritora da revista Vertbaudet, apesar de nenhum de nós ter filhos nem crianças por perto a quem comprar roupas por catálogo – admite, fizeste isto para nos fazer lembrar (ainda mais) de ti cada vez que a revista chegar?
Porque quando fizermos uma limpeza à cozinha, provavelmente vamos encontrar uma das tuas mil listas caída nalgum lado, seja ela uma lista de compras, de afazeres ou de coisas muito importantes de que não te podes esquecer, que tens sempre muitas. Porque agora temos um pinguim chamado Albino que vive por cima do frigorífico e vigia cada passo que damos, e sempre me lembro de ti quando o vejo empertigado no fatinho preto e branco. Porque temos receitas de comidinhas boas escritas em post-its ali ao pé do fogão que ainda ninguém teve coragem de arrancar. Acho que vão lá ficar para sempre. Tal como o amor que me ensinaste a (re)viver. E por isso te devo tanto. 

Por tudo isso e por quanto mais não cabe nas palavras, mas se ilustra nas lágrimas que deixei no Rio embrulhadas num dia de águas de março, e porque se em alguém revejo o amor incondicional e despretensioso, é em ti, Ana Clara.


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