terça-feira, 18 de fevereiro de 2014



Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

Engraçado como as palavras sempre nos encontram nos momentos certos. E vezes há em que os momentos se querem privados das palavras, em que fingimos que não nos vemos, não nos escutamos, nunca existimos nem sabemos quem fomos ou a sombra do que somos. Como estará hoje o nosso Oeste, teu e meu, pensei hoje de manhã quando acordava. Que podia ser uma segunda-feira antiga em que o despertador me arrancava dos teus lençóis, me roubava ao abrigo dos teus braços, para vil me oferecer ao caminho de volta à cidade. Caos, neblina, o sol que agarra no caminho do campo para a metrópole. Se hoje estivesse o tempo bom e a cidade não me chamasse impiedosa, podíamos ir tirar medidas ao mar, contar-lhe as ondas, sorvê-lo nuns beijos deixados à deriva numa falésia anónima. Pego-te pela mão e mostro-te um stencil, uma mensagem deixada num casal que dizem ser dos Patos. Tão linda, a vossa história, tão parecidos, tão doces. Custa-me ver-vos assim, sabes? Parecem uma ruína daquilo que um dia foram, e nas falésias não há curas nem palavras sábias que adormeçam a dor nem aliviem o mal de que vocês padecem. Há uma varanda para o infinito, de onde abraço o mar e me jogo ao desconhecido e à oportunidade. Respiro, e sou inteira, outra vez, só eu, insana impune indefesa.

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