domingo, 24 de novembro de 2013

photo @ Gonzalo Sandoval | India 2012 | http://almayluz.com/


O homem tinha visto sépia a vida toda. Os médicos nunca tinham dado explicação para aquela rara condição, ele tampouco procurara encontrar respostas para além do que já sabia, e que resumia ao cru e despretensioso facto de que via em tons sépia desde que pela primeira vez pousara os olhos nas coisas. Dos olhos sépia e das mãos recortadas de agruras e de lavoura, saiam-lhe desenhos que tinha dificuldade em reconhecer como sendo seus. Sentia-se uma disformidade por não enxergar as cores, como todos os outros. E isso tornava o que tinha dentro num enorme dia cinzento, como se de lá não saísse outra coisa que preto e branco. Que ironicamente era o que invariavelmente acontecia que apostava o carvão contra o branco do papel e rabiscava, rostos, prédios, sentimentos desenhados à exaustão, ao ponto de não distinguir mais as linhas finas dos seus dedos entre os rastos da cinza. A última vez que o vi, armado de lápis e papel, escarafunchava qualquer coisa com violência contra os joelhos, como que buscasse uma resposta para a qual não o vi colocar um ponto de interrogação antes. Nunca mais o vi, acho que nunca mais ninguém o viu.

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