quarta-feira, 31 de julho de 2013

No Adamastor, já não moram as pedras da calçada. Agora, param por lá umas pedras que o breu da noite não me deixa identificar. E dão-lhe um ar mais de europeu que de lisboeta, como se queria. Sento-me numa delas, atiro o corpo para trás e presto vassalagem ao céu. Apesar de passar largamente das dez de noite, na pedra vive ainda um calor que ficou da tarde, e que me aquece as costas enquanto as encho de poeira. Sinto uma verdade invadir-me o corpo numa vergastada que juraria rasgar-me ao meio. Entre o meu corpo e as estrelas que o encimam, uma evidência impõe-se crua e esmagadora. ocupando todos os átomos que me permito pressentir. A evidência de uma vida que fica por cumprir, de um sentimento a ficar por consumar, para sempre perdido entre o aqui e o nada. Que esta coisa de arrancar um amor do coração tem que se lhe diga. Sangra-se, e não há penso rápido que sirva de tosco reparo. Despedaçam-se os tecidos para logo a seguir se projectarem nas paredes do peito, doídos, moídos, sofridos. Pegar no coração e jogá-lo penhasco abaixo agarrado ao corpo, na esperança de ver os dois desfeitos lá em baixo, destruídos das pedras e levados pelo mar. 

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