segunda-feira, 29 de julho de 2013

Elegia

Fecho os olhos e viajo. Penso em ti e procuro-te nas memórias que começam a querer escapar. Como mil pássaros na floresta que se vão acostando à copa das árvores, assim estão os fragmentos estilhaçados que me deixaste de presente quando também tu levantaste voo e foste. Flutuam pelo espaço, para acabarem escondidos sob a folhagem de uma qualquer árvore desta floresta enorme a que insistimos em chamar de sentimentos. Procurei-te por tempo demais. Em paredes, praças, músicas, miradouros, fotografias, palavras, escritos, viagens interiores que nunca mais acabavam. E em todas elas, uma constante. Sempre em todas elas, o voltar sozinha para casa, para aquela casa onde mesmo não vivendo fisicamente, sempre deixavas o teu espírito, que sempre estava para me receber de braços abertos e acolher-me de volta à casa. Hoje a casa está praticamente vazia. Para lá caminha desde o dia em que vieram uns senhores pequeninos e começaram a desmontar as mobílias, a retirar os ornamentos, a despendurar as molduras, enfim... a desmastrear o navio. Trabalhamos para o Esquecimento, disseram-me eles no primeiro dia. Viemos para ficar até estar tudo desmontado, empacotado e pronto a seguir viagem. Anui, e tenho-os deixado trabalhar até hoje. E de dia para dia, lá ela vai ficando um bocadinho mais vazia. Está perto do fim, dizem-me os senhores pequeninos que trabalham para o Esquecimento. Ainda bem, pensei eu, já não suporto ouvir o som que eles fazem a desmontar e encaixotar tudo. Do mal o menos, os trabalhos estão quase concluídos e a porta quase a fechar. E agora, viver onde? Até ver, sou sem tecto, sou sem chão, sou do mundo e de mim mesma. De mim me faço e desfaço, e procuro resistir à tentação de te encaixar nos espaços que pelo meio ficam vazios. E eles assim lá ficam, ocos e pálidos no nada acostados, até que eu me volte a fazer e desfazer de novo e os preencha com novas paredes, praças, músicas, miradouros, fotografias, palavras, escritos, viagens interiores. 

Não me abandones mais vez nenhuma, nem me votes ao sentimento de cair nua e indefesa numa ilha deserta de onde não sei sair, de onde não sei se consigo sair com vida. Deixa que este seja o último suspiro, a última despedida, o último encontro, o último toque, a última palavra, o último sopro, a tua última pele na minha, o teu último rasto de perfume na minha almofada, o teu coração bater quente junto ao teu meu, a minha boca adormecer com o bafo quente e acolhedor da tua respiração bem na minha cara, o último pôr de pé na areia, um último cigarro, uma última partilha. De nós partimos e a nós voltamos, para nosso benefício e sem lágrimas que não sejam estritamente necessárias.

2 comentários: