Estávamos no Cais do Sodré e deviam ser já umas seis da
manhã. Ele era mais ou menos amigo de uma amiga, e em cerca de trinta segundos
gritei-lhe irada a história da minha vida, depois de por duas vezes me ter dito
que me ria pouco. E não fossem já freudianas
o suficiente as situações porque já passei, estava agora a braços com uma
dolorosa separação que insistia em não parar de doer. Rio-me pouco? Possível,
mas e afinal vou rir do quê, se dentro tenho um coração feito em peçados?
A caminho do carro, e depois de ter ficado estático no meio
da estrada a olhar-me incrédulo, lá conseguiu articular um mas há uma coisa que não percebo, como é que tens forças para sair da
cama de manhã? Não consegui devolver qualquer resposta, porque eu própria
não a sei. A sobriedade já era pouca, a paciência ainda menos. Ele ainda fez a
pergunta mais uma vez, e ante a minha inércia em elaborar um raciocínio
coerente, acabou por desistir das perguntas difíceis e ilações sobre a
quantidade dos meus sorrisos.
E desde então, não consigo parar de pensar na demanda que
aquele desconhecido me lançou e para a qual estou até hoje sem conseguir
responder. Não sei de onde vêm as forças, como se gera a motivação, que
mecanismos fazem as minhas pernas mexer, beber o café, vestir o melhor trapo
que calhar a sair do armário, escovar os dentes, encher as caixas com a sopa, a
salada e os cereais, trocar chaves e carteiras de umas malas para as outras,
bater a porta e enfrentar mais um dia igual aos outros.
Gonçalo (era esse o teu nome?), não me podias ter perguntado
outra coisa?...
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